Prefácio para quem inicia a leitura deste trabalho, mas posfacio para mim. Pois as impressões que aqui expresso, decorrem do seu andamento. E qualquer exercício desta natureza, de certa forma escapa (sempre um pouco, muito por vezes) ao nosso controle. Parece-me vantajoso que assim seja. Um trabalho rigorosamente planificado e rigorosamente cumprido é um trabalho morto, e penso que se alguma característica deve ser protegida é, justamente, a sua vitalidade. Mesmo que ele decorra, sobretudo, no domínio das ideias, no domínio especulativo, como é este caso. e que portanto não esteja submetido ao acaso experimental, deve preservar essa margem aleatória. É ela que lhe confere a possibilidade do trabalho se ir constituindo como um corpo. Sendo esse e este um "sistema sensível às condições iniciais" (um sistema instável ou um sistema dinâmico), prevê-lo com rigor, e depois tentar que essa previsão se verifique totalmente, é impor-lhe uma falácia, um pecado original. Um dos aspectos que procuramos não descurar é o ritmo (o biorritmo) que deve formatar qualquer obra que, como objecto comunicante, se destina ao outro. Ainda que esse ritmo, essa tonalidade, seja atonal, como a música de Schõenberg. Que não tenha uma nota dominante, e que se caracterize pelas possibilidades compositivas dos jogos de notas musicais. Pela variabilidade e pela multiplicidade discursiva. Um trabalho como este tem sobre o autor, dada a natureza da escrita, um enorme poder de sucção. À medida que vamos dizendo, escrevendo, vamo-nos comprometendo com aquilo que dizemos, e. quando damos conta, já só estamos a justificar a rede de compromissos que fomos estabelecendo. Temos, então, que fazer um esforço sobre-humano para nos libertarmos do pântano de areias movediças em que caímos e onde a nossa (eventual) originalidade está em riscos de ser deglutida. Mas quando, depois de um esforço titânico, nos conseguimos libertar daquela teia de argumentos e contra-argumentos em que a nossa imaginação cristaliza, e julgamos ter encontrado terra firme para cantar a (suposta) frescura dos nossos enunciados, eis que, novamente, a escrita nos armadilha o território, e nós tombamos na sua rede paroxística.
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