Meu contato com a dança aconteceu tardiamente. Condicionada a uma rotina ininterrupta de trabalho intelectual, praticamente toda a minha vida dediquei meu tempo à leitura e à escrita. As primeiras letras foram aprendidas com esforço. O prazer de ler foi chegando aos poucos. Acabei me tornando uma leitora/escritora profissional. Mas à medida que esse prazer aumentava e abracei o ofício de professora e pesquisadora ampliavam-se as horas de imobilidade a que fiquei submetida. Cultivava dores nas costas, na nuca, no dorso, nos quadris e nos olhos. O meu corpo disciplinado habituou-se a um padrão de movimentos demasiado pequenos, lentos, com grande concentração de energia na cabeça, na garganta, na parte superior do tronco e nas mãos. Recuperar o contato com meus pés, pernas, coxas e quadris, costas, todas essas partes esquecidas de mim, só foi possível através da dança. A vivência do Movimento Harmônico no espaço Coringa/Rio Abierto e as práticas de dança e de conscientização do movimento na Escola Angel Vianna abriram caminho para um intenso processo de reeducação de mim mesma. É a partir dessa experiência vivida que ouso, neste texto, apontar algumas reflexões que fui construindo sobre esse espaço de risco, essa corda lançada sobre o abismo, estirada entre a dança, a terapia e a educação. Daí também me atrevo a falar do educar-se como um modo de relacionar-se com o próprio corpo, buscando recuperar o sentido lato da palavra grega pedagogia: viagem das crianças. Nenhum aprendizado abre mão da viagem. Afinal, educar-se é sair do corpo da mãe e ganhar o mundo contando com suas próprias forças, expondo-se ao outro, às vezes de forma agudamente dolorosa, já que para sentir o corpo, acordá-lo, é preciso desestruturar-se, descolarse dos papéis desempenhados e de todas aquelas palavras que não são propriamente nossas, mas da autoridade dos outros em nós. Reeducar-se então significa calar em nós os discursos sobre o corpo que nos estreitam e nos controlam e simplesmente escutarmos a nós mesmos. Nessa escuta dos processos internos, do ritmo de expansão e recolhimento que existe em cada célula começa a dança. A dança se inicia, portanto, com a liberação dos códigos internalizados, com formas de fazer que nos forneceram desde que nascemos e que reproduzimos desde então.
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