Representados numa tensão entre criadores e executores, a ópera, o sonatismo, a valsa, a polca e o nunca nomeado maxixe assumem, em Machado de Assis, o caráter de cifra simbólica de algumas tensões na cultura brasileira. A obra machadiana registra um leque de fi guras envolvidas com a criação ou a execução de música: o artista ainda mecenizado pela Igreja (Mestre Romão, regente e fracassado compositor de “Cantiga de esponsais”), o criador já inserido na profi ssionalização da emergente cultura de massas mas desconforme com ela (Pestana, o bem-sucedido autor de polcas que sonha ser sonatista em “Um homem célebre”), o músico dividido entre o instrumento profi ssional, a rabeca, e o instrumento artístico, o violoncelo (Inácio, em “O machete”) e o pobre que exerce a maestria musical como bilhete de entrada em círculos de classe média (Barbosa, o artista popular em “O machete”). John Gledson já notara que em “O machete” combinam-se o “sério e profundo” com o “leve e zombeteiro”, ou o “local brasileiro” com o “tradicional europeu” (Gledson, 1988, p. 52). José Miguel Wisnik aponta que “Machado de Assis foi quem primeiro percebeu . . . a dimensão abarcante que assumiria a música popular no Brasil como instância a fi gurar e a exprimir, como nenhuma, a vida brasileira como um todo” (Wisnik, 2004, p. 79). O estudo de Wisnik reforçou uma percepção minha de que a música seria uma porta de entrada à representação do popular em Machado e uma peça-chave para se compreender a interação entre a cultura erudita e a emergente cultura de massas. Partirei do estudo de Wisnik para chegar a conclusões que não coincidem exatamente com as dele.
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